Antelóquios

  O que são exatamente Antelóquios? De acordo com o dicionário:

antelóquio: do Lat. anteloquiu; s. m., aquilo que se diz antes; prefácio; prólogo.

No caso, Antelóquio nada mais é que um exercício literário simples. Pega-se uma notícia real, disponível aos borbotões na Internet, e cria-se uma ficção anterior ao fato narrado. Só isso. Não há compromisso com a verdade. Não há preocupação com os envolvidos. Simplesmente é utilizado um fato real para inspirar uma narrativa fictícia. Gostou da idéia? Faça um Antelóquio e me mande. Quem sabe eu não coloco aqui, junto com os meus? Notícias bizarras acontecem todos os dias, apenas aguardando que alguém inspirado as aproveite. Quer exemplos? Abaixo segue uma sequência de Antelóquios criados por mim.

ATENÇÃO: Todos os textos aqui expostos são trabalhos de FICÇÃO. A responsabilidade pela veracidade dos fatos das notícias referidas é totalmente dos veículos apontados. Caso a exploração de alguma notícia ofenda ou difame alguém pessoalmente, peço que entre em contato comigo, que ela será imediatamente retirada.
 


Thursday, March 17, 2005

SAMANTA

© Alexandre Fernandes Heredia

Samanta descobriu que tinha um sonho.

Tinha treze anos, e decidiu que se tornaria atriz. Viu uma menina de sua idade numa novela, numa cena dramática que quase a fez desabar em lágrimas junto com a personagem. Aquilo a tocou de tal maneira que sabia que seu futuro só seria feliz caso realizasse aquele sonho.

Desligou a televisão assim que os primeiros créditos surgiram. Estava radiante, exultante. Havia descoberto sua vocação! Quantas pessoas passam a vida procurando por um sentido, que ela, tão cedo, já havia encontrado.

Seus pais não retornariam antes da meia noite. Isso dava para ela tempo de se divertir sem inibições. Foi até o quintal e jogou para o alto as pantufas, dançando descalça uma música imaginária, que ela acompanhava com "lá-lá-lás" divertidos. Pensou na cena que a emocionara. O capítulo era um especial de Natal, recontando uma fábula de Dickens nos tempos modernos. Ela não sabia disso quando assistira, mas era o que era.

Num lampejo de inspiração, começou a repetir as falas da menina da história. As partes que ela não lembrava, inventava. Esforçou para dar uma entonação dramática à voz, transparecer a emoção da personagem. Algumas vezes não ficou satisfeita e obrigou-se a repetir, até a perfeição. E então chegou na cena do choro, o ápice dramático, o final inesquecível.

Tentou, mas não conseguiu. Tentou de novo, e nada. Os olhos cerraram, mas as lágrimas não correram. Refez a cena, tentando imaginar a emoção que a personagem sentia. Nada.

Normalmente ela desistiria, mas aquele era seu sonho, sua vocação! Ela tinha que chorar, custasse o que custasse. Mordeu o lábio inferior até doer. Sentiu os olhos umedecerem, mas não o suficiente para formar uma lágrima. Irritou-se. Refez a cena, mas quando chegou o momento do choro, suas glândulas estavam secas.

Como que gozando de sua cara, uma chuva intensa começou a cair. Uma autêntica tempestade de verão. Ela gritou, frustrada. Relâmpagos iluminaram o céu, como que rindo de seu fracasso. Irritada, chutou e socou o ar, xingando a plenos pulmões. Acabou tropeçando no fio das luzes da árvore de Natal que sua mãe montara no quintal, que caiu estrepitosamente, chegando até a soltar o plugue da tomada.

Samanta ficou olhando a árvore tombada e apagada no chão enquanto a chuva continuava a cair, ensopando seu pijama e escorrendo por seus cabelos. Sentiu-se horrível por ter causado aquele acidente, e rapidamente correu até o pinheiro de plástico, erguendo-o.

Estava deprimida. Fracassara em sua primeira tentativa, e aquilo havia devastado-a como apenas os adolescentes conseguem se devastar.

Entrou na área seca da casa, e enxugou-se com um pano de prato. Pegou o plugue da extensão e secou-o também. Ajoelhou-se ao lado da tomada, encostando o topo da cabeça na parede à sua frente. Antes que conseguisse religar as luzes de natal, sentiu as lágrimas finalmente escorrerem por suas bochechas. Mas não eram lágrimas cenográficas, eram de frustração e revolta, de angústia sem nome ou rosto. Ela nunca seria uma atriz se não conseguisse chorar quando quisesse. Seu sonho estava morto antes de começar.

Displicentemente tentou enfiar o plugue na tomada, mas ele estava torto, e ela forçou a entrada. Uma lágrima alcançou o limiar de seu rosto e precipitou-se. Um grande clarão surgiu pela janela da cozinha ao mesmo tempo que a lágrima solitária aterrissava no dedo da menina que sonhava em ser atriz.

O que aconteceu a seguir, só saberá quem clicar no link abaixo:
http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/brasil/1823501-1824000/1823919/1823919_1.xml