Especial De Páscoa
© Alexandre Fernandes Heredia
"Calma, Bryan, é um trabalho como qualquer outro."
Ele precisava manter aquilo em mente. Pouco importavam os xingamentos, pedidos incoerentes, choros, esperneios ou fraldas vazando. Era só um trabalho comum, que pagaria relativamente bem e ajudaria a custear a passagem para Hollywood.
É, Bryan queria ser ator. Desde criança, quando participou de sua primeira peça na escola. Não se esquecia de sua única fala: "Bom dia, Sol", vestido de sátiro. Era uma adaptação infantil de "Sonhos de Uma Noite de Verão", de Shakespeare. Tinha sido tão adaptada que pouco restara do texto original, mas serviu para que o pequeno Bryan descobrisse sua verdadeira vocação.
Desde então, participou de todas as peças da escola. Agora, terminado o colegial, sonhava em ir para Hollywood, fazer um curso sério, e virar estrela. Simples na idéia, complicado na execução. Seu pai não tinha o dinheiro para a passagem e estadia no começo, até que arrumasse algum trabalho, e ele precisava se virar. Em Bay City, isso significava só uma coisa para um aspirante a ator: bicos em shopping centers, fazendo promoções fantasiado em praças de alimentação ou de eventos.
Não era seu primeiro trabalho do gênero. Já tinha sido um Peru de Ação de Graças, Papai Noel no Natal, Cavaleiro Sem Cabeça no Halloween, e até mesmo um Leprechaun no dia de St. Patrick. E, obviamente, na Páscoa ele havia sido novamente chamado.
A fantasia de coelho não era das piores. Pelo menos era mais confortável que a de Peru, e ele não precisava usar máscara, apenas uma pintura característica (focinho, bigodes e bochecha). Mas esse alívio era nublado pela interminável fila de crianças desagradáveis que ele tinha que atender. Felizmente haviam feito um cenário interessante, e ele podia permanecer o dia todo sentado, imitando Papai Noel. As crianças vinham, conversavam com ele, e iam embora. Algumas passavam mais de cinco minutos desfiando a lista de ovos e presentes que elas queriam. Outras ficavam mudas de medo. A maioria chorava. Algumas pulavam em seu colo, empolgadas demais para falar. Uma pulou tanto que vomitou, felizmente longe de sua fantasia.
E cada vez que uma criança se afastava, Bryan repetia seu mantra. “Um trabalho como qualquer outro”. E lá vinha mais uma para seu colo.
Nesse emprego é difícil guardar fisionomias, mas Bryan reconheceu o garoto assim que ele despontou na fila. Ruivo, sardento, gordo de tanto hamburger e milk-shake. Tinha o hábito desagradável de cutucar o nariz e guardar a meleca no bolso da jardineira jeans. Os olhos quase desapareciam na banha de seu rosto rechochudo demais para a idade, mas o pouco que se via já transparecia uma maldade que apenas os garotos do doze anos possuem. Uma coisa que não se explica em palavras, apenas se pune com os habituais castigos e palmadas.
Ele estivera no colo de Bryan no dia anterior. Ficou calado por quase um minuto, ignorando as frases coringa que ouvia do “coelho”. Depois riu, cutucou o nariz, e chamou-o de “viadinho” antes de saltar de seu colo. E agora lá estava ele de novo na fila. Bryan respirou fundo. “Um trabalho como qualquer outro”.
Quando chegou a vez da peste, Bryan pensou em pedir a seu supervisor uma pausa, mas sabia que seu pedido seria recusado. A fila estava imensa, e o shopping em seu horário mais movimentado. O moleque sentou em seu colo, ainda cutucando o nariz. Será que ninguém mais educa as crianças hoje em dia?
Estalou o pescoço, respirou fundo novamente, e começou a disparar suas falas. Um trabalho como qualquer outro. O que poderia acontecer de errado?
O que será? Descubra em:
http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI495033-EI1140,00.html
"Calma, Bryan, é um trabalho como qualquer outro."
Ele precisava manter aquilo em mente. Pouco importavam os xingamentos, pedidos incoerentes, choros, esperneios ou fraldas vazando. Era só um trabalho comum, que pagaria relativamente bem e ajudaria a custear a passagem para Hollywood.
É, Bryan queria ser ator. Desde criança, quando participou de sua primeira peça na escola. Não se esquecia de sua única fala: "Bom dia, Sol", vestido de sátiro. Era uma adaptação infantil de "Sonhos de Uma Noite de Verão", de Shakespeare. Tinha sido tão adaptada que pouco restara do texto original, mas serviu para que o pequeno Bryan descobrisse sua verdadeira vocação.
Desde então, participou de todas as peças da escola. Agora, terminado o colegial, sonhava em ir para Hollywood, fazer um curso sério, e virar estrela. Simples na idéia, complicado na execução. Seu pai não tinha o dinheiro para a passagem e estadia no começo, até que arrumasse algum trabalho, e ele precisava se virar. Em Bay City, isso significava só uma coisa para um aspirante a ator: bicos em shopping centers, fazendo promoções fantasiado em praças de alimentação ou de eventos.
Não era seu primeiro trabalho do gênero. Já tinha sido um Peru de Ação de Graças, Papai Noel no Natal, Cavaleiro Sem Cabeça no Halloween, e até mesmo um Leprechaun no dia de St. Patrick. E, obviamente, na Páscoa ele havia sido novamente chamado.
A fantasia de coelho não era das piores. Pelo menos era mais confortável que a de Peru, e ele não precisava usar máscara, apenas uma pintura característica (focinho, bigodes e bochecha). Mas esse alívio era nublado pela interminável fila de crianças desagradáveis que ele tinha que atender. Felizmente haviam feito um cenário interessante, e ele podia permanecer o dia todo sentado, imitando Papai Noel. As crianças vinham, conversavam com ele, e iam embora. Algumas passavam mais de cinco minutos desfiando a lista de ovos e presentes que elas queriam. Outras ficavam mudas de medo. A maioria chorava. Algumas pulavam em seu colo, empolgadas demais para falar. Uma pulou tanto que vomitou, felizmente longe de sua fantasia.
E cada vez que uma criança se afastava, Bryan repetia seu mantra. “Um trabalho como qualquer outro”. E lá vinha mais uma para seu colo.
Nesse emprego é difícil guardar fisionomias, mas Bryan reconheceu o garoto assim que ele despontou na fila. Ruivo, sardento, gordo de tanto hamburger e milk-shake. Tinha o hábito desagradável de cutucar o nariz e guardar a meleca no bolso da jardineira jeans. Os olhos quase desapareciam na banha de seu rosto rechochudo demais para a idade, mas o pouco que se via já transparecia uma maldade que apenas os garotos do doze anos possuem. Uma coisa que não se explica em palavras, apenas se pune com os habituais castigos e palmadas.
Ele estivera no colo de Bryan no dia anterior. Ficou calado por quase um minuto, ignorando as frases coringa que ouvia do “coelho”. Depois riu, cutucou o nariz, e chamou-o de “viadinho” antes de saltar de seu colo. E agora lá estava ele de novo na fila. Bryan respirou fundo. “Um trabalho como qualquer outro”.
Quando chegou a vez da peste, Bryan pensou em pedir a seu supervisor uma pausa, mas sabia que seu pedido seria recusado. A fila estava imensa, e o shopping em seu horário mais movimentado. O moleque sentou em seu colo, ainda cutucando o nariz. Será que ninguém mais educa as crianças hoje em dia?
Estalou o pescoço, respirou fundo novamente, e começou a disparar suas falas. Um trabalho como qualquer outro. O que poderia acontecer de errado?
O que será? Descubra em:
http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI495033-EI1140,00.html